Astronomía Digital

  • Número 3.

  • Astronomía Digital.
  • Bienvenidos.
  • GSiew.
  • Guía para autores.
  • Carl Sagan, uma vela no escuro

    Lourdes Villarreal Lujan | México

    Sempre considerarei Dr. Sagan o meu guia intelectual e nunca poderei recuperar-me da trágica perda que significou seu falecimento. Pensei em milhares de coisas para honrar sua memória e creio que a mais adequada é fazendo o que ele mesmo fez com tanto entusiasmo e valor: ensinar as maravilhas da ciência ao indivíduo normal, comum e corrente. Esta biografia está muito longe de ser perfeita, mas procura ser o mais precisa possível.


    Infância e adolescência.

    Carl Edward Sagan nasceu em 11 de novembro de 1934 no bairro de Bensonhurst no coração do Brooklyn, N.Y., filho de imigrantes provenientes da Europa central. Ele mesmo conta algo de sua humilde origem em "Nómadas" na introdução de seu livro "Pálido Ponto Azul" (No Brasil: Companhia das Letras, 1996):

    "Duvido muito que, em toda sua existência, Leib (Gruber, seu avô) haveria se distanciado mais de cem quilômetros de Sassow, o pequeno povoado que o viu nascer. Porém, em 1904, segundo conta uma lenda familiar, a fim de evitar uma condenação por assassinato decidiu de repente fugir para o Novo Mundo, deixando atrás de si sua jovem esposa. Quão diferentes daquela atrasada aldeia haveriam de parecer-lhe as grandes cidades portuárias alemãs; que imenso o oceano; que estranhos os altíssimos arranha-céus e a frenética atividade em seu novo lar. Nada sabemos de sua viagem transoceânica, mas encontramos a lista de passageiros correspondente ao trajeto percorrido posteriormente por sua esposa, Chaiya, que foi encontrar-se com Leib quando conseguiu economizar o suficiente. Viajou na classe mais econômica a bordo do Batávia, um navio registrado em Hamburgo. No documento lê-se uma concisão que, de certo modo, parte o coração: «Sabe ler ou escrever?» «Não.» «Fala inglês?» «Não.» «Quanto dinheiro leva?» Imagino a vulnerabilidade e vergonha que deve ter sentido ao responder: «Um dólar»".

    Desembarcou em Nova York, uniu-se a Leib, viveu o tempo suficiente para dar a luz à minha mãe e à minha tia e logo morreu por complicações de parto. Durante estes poucos anos na América, em algumas ocasiões haviam adaptado seu nome ao inglês e a chamavam Clara. Um quarto de século depois, minha mãe deu a seu primogênito, um menino, o nome da mãe que nunca chegou a conhecer.

    Samuel Sagan, seu pai, foi um judeu emigrante da Rússia que trabalhou de cortador de tecidos em uma fábrica de roupas e chegou a ser um próspero comerciante ainda durante os anos da Depressão. Rachel, sua mãe, foi uma dona de casa que dedicou todo seu tempo a educar seus filhos com amor e dedicação. A família Sagan sempre se preocupou com a educação do pequeno Carl, que sempre demonstrou vocação para a ciência. Um bom exemplo foi quando os Sagan levaram seu filho, então com 5 anos de idade, à Exposição Mundial de 1939 em Nova York. Carl ficou impressionado ante as visões futuristas daquela época.

    Carl Sagan na contracapa de seu livro "Bilhões e Bilhões".

    Também o céu noturno despertou sua curiosidade. Por não haver ninguém a seu lado que soubesse ou quisesse explicar-lhe o que eram as estrelas, aos 7 ou 8 anos sua mãe o levou à Biblioteca Pública de NovaYork e Carl pediu um livro sobre estrelas. A gentil funcionária lhe deu um livro que tinha na capa Clark Gable e Greta Garbo: estrelas de Hollywood. Muito cedo Sagan soube que nem todas as pessoas tinham muito claro o conceito de estrela.

    Quando lhe trouxeram o livro correto, Carl o leu por inteiro. Também as leituras de ficção científica da época despertaram sua imaginação sobre a possibilidade de vida em outros mundos. Em "Cosmos" (Francisco Alves Editora, 1992) nos relata:

    "Eu me recordo de ter lido quando criança, fascinado e emocionado, as novelas marcianas de Edgar Rice Burroughs. Viajei com John Carter, cavaleiro e aventureiro de Virgínia, até "Barsoom", o nome que seus habitantes davam a Marte. Segui a tropa de burros de carga com oito patas, os thoat. E consegui a mão da bela Dejah Thoris, princesa de Helium. Tornei-me amigo de um lutador verde de quatro metros, chamado Tars Tarkas. Passei pelas cidades pontiagudas e pelas estações em abóbadas de Barsoom e ao longo das verdes veredas dos canais de Nylosirtis e Nephentes (...) John Carter conseguiu chegar ali simplesmente pondo-se de pé em um campo, estendendo suas mãos e desejando-o. Recordo-me de haver passado quando criança, muitas horas com os braços firmemente estendidos solitário em um campo implorando ao que acreditava ser Marte, para que me transportasse até ali. Nunca deu resultado. Tinha que haver outros meios."

    Segundo contam os que o conheceram, naquela época não havia a palavra para o que queria ser: queria viajar e investigar a vida em outros planetas, queria estudar as estrelas, queria desenhar naves espaciais... mas apesar de sonhar com viagens para as estrelas, Carl era sensato e compreendeu que talvez quando existissem naves espaciais ele já seria velho demais. Mas decidiu que estudaria as estrelas. Foi menosprezado por alguns como seu avô, que lhe perguntou o que gostaria de fazer quando fosse maior. Carl muito orgulhoso lhe respondeu: "quero estudar Astronomia". O avô voltou a lhe perguntar: "Isso é muito bom. E o que pensa fazer para ganhar a vida?". Mas isso não deteria a mente inquieta de Sagan que muito cedo descobriu que muitas pessoas estudavam Astronomia e na realidade ganhavam dinheiro com sua profissão. Juntamente com o total e incondicional apoio de seus pais e alguns professores, o destino do futuro cientista e divulgador já estava escrito.


    Estudos.

    Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a família Sagan se mudou para Nova Jersey onde teria uma vida melhor. Ali Carl realizou seus estudos preparatórios na Radway High School, onde foi escolhido como o estudante mais inteligente e o que teria maiores possibilidades de ter êxito na vida.

    Ao terminar o curso preparatório, Carl se mudou para Chicago para estudar na universidade local. Ali teve que abandonar seu interesse por foguetes como um possível meio para viajar pelo espaço, porque a universidade não contava com um departamento de Engenharia. Então concentrou-se em estudar o que sempre o fascinou: as estrelas.

    Avançou rapidamente em sua carreira como cientista; muito cedo destacou-se entre seus companheiros e durante as férias de verão trabalhou no laboratório do cientista ganhador do Prêmio Nobel H.J. Mueller que naquela época dedicava-se a pesquisar a origem da vida neste planeta. Ali, entretanto, Sagan realizou atividades de pouca importância.

    Sagan concluiu seu doutorado em Astronomia e Astrofísica sob a tutela do Dr. Gerard Kuiper, outro cientista intrépido que estudou a possibilidade de vida em outros planetas ficando conhecido como o Pai da Ciência Planetária Moderna. Deve-se salientar que homens como estes tiveram que lutar por suas idéias, pois naquela época seus colegas, concentrados em temas mais convencionais, consideravam a investigação de vida em outros planetas como ficção científica. Mas logo as perspectivas do espaço mudariam para sempre quando os cientistas soviéticos realizaram com êxito o impressionante lançamento da Sputnik para colocá-la em órbita ao redor da Terra em 1957.

    Nesse mesmo ano, em 16 de junho de 1957, Carl casou-se com a estudante Lynn Alexander (mais tarde Lynn Margulies) que como Sagan, causou controvérsias com suas teorias revolucionárias sobre a evolução da vida na Terra. Tiveram dois filhos: Dorion y Jeremy.

    Durante estes anos, Sagan divulgou os resultados de sua primeira grande pesquisa como cientista, na qual propunha um efeito estufa em Vênus. Seus cálculos perfeitos causaram sensação e foi convidado pela NASA para trabalhar como cientista colaborador. Os dados transmitidos pela Mariner II desde Vênus comprovaram a veracidade das teorias de Sagan.

    Já não havia nada que impedisse o início da Aventura Espacial. E muito menos algo que impedisse Carl Sagan de participar dela.


    Seus primeiros anos como pesquisador.

    Embora a NASA se empenhasse principalmente em enviar uma missão tripulada à Lua, Sagan nunca viu com bons olhos o programa espacial Apolo. Considerava-o um desperdício de dinheiro e um risco para as vidas dos astronautas; entretanto, a colaboração com a agência espacial lhe permitiria tornar seus sonhos realidade: explorar outros mundos e investigar a possibilidade de vida neles. Mas ao concentrar-se em suas ambições, teve comprometido seu matrimônio e em 1963, divorciou-se de Lynn Alexander. Ela levou consigo os filhos e Carl então sozinho concentrou-se em suas atividades na NASA, além de aceitar o cargo de astrônomo na renomada Universidade de Harvard.

    A Mariner 4 foi a primeira sonda a chegar a Marte no mês de junho de 1965 e todos os cientistas que participaram do projeto, especialmente Sagan, aguardaram ansiosos as imagens que a sonda haveria de transmitir. Marte era um ponto no céu particularmente atraente naquela época pois ainda eram lembrados os famosos "canais" observados por Percivall Lowell no princípio deste século. Apesar das observações com telescópios mais potentes já terem descartado a idéia de que estes canais pudessem ter sido construídos por alguma civilização inteligente, Marte não perdia seu fascínio...

    % Mariner 4 % Mariner 4

    Depois que os cientistas observaram todas as imagens analisando os valiosos dados enviados pelas sondas, concluiu-se que não havia indícios de erosão causada por água, excluindo quase por completo a possibilidade de que alguma vez pudesse haver existido sequer a forma de vida mais elementar no planeta vermelho. Sagan, longe de desanimar-se, optou por começar a monitorar sinais de vida mediante aparelhos que não requeriam condições atmosféricas ótimas como os telescópios ópticos, nem o custoso lançamento de uma sonda espacial: os chamados radiotelescópios.

    Simultaneamente, Carl começou a colaborar com o cientista soviético I. S. Shklovski e juntos organizaram debates e discussões com outros colegas interessados em buscar vida extraterrestre; o conteúdo de tais discussões foi publicado no livro "OVNI'S: Um Debate Científico", que trata precisamente do início da busca de vida em outros mundos. Desde o princípio, Sagan deixou muito claro que o objeto de suas investigações não tinha nada a ver com o cada vez mais popular fenômeno OVNI. Entretanto, a conservadora Universidade de Harvard não viu com bons olhos suas atividades e no ano seguinte negou-lhe a renovação de seu contrato.

    Isto significou um duro golpe na carreira de Sagan, mas quase imediatamente, recebeu uma oferta da Universidade de Cornell em Ithaca, Nova York, a qual tinha fama de ter em seu quadro cientistas que pesquisavam temas especulativos e pouco convencionais. Como se pode supor, Carl Sagan foi recebido calorosamente. Sagan mudou-se para Ithaca acompanhado de sua nova esposa, a artista Linda Salzmann, com quem se casou em 06 de abril de 1968. Carl tornou-se diretor do Laboratório de Ciências Espaciais em Cornell, cargo que, juntamente com suas aulas nesta universidade, ocupou pelo resto de sua vida.

    Mesmo com todas estas atividades, Sagan fez parte da equipe de operadores e cientistas encarregados do projeto Apolo 11 em 1969. Porém o mais significativo nesse ano para ele foi a missão da Mariner 9 a Marte, que excedeu todas as expectativas ao orbitar duas vezes em um dia e fotografar cem por cento de sua superfície, mostrando evidências de que alguma vez foi ativa e onde poderia ter existido vida.


    A missão Pioneer.

    Pouco a pouco Sagan acumula experiência com seus anos de professor e cientista, que juntamente com sua grande capacidade de observação lhe permitiu compreender que o indivíduo normal, sem estudo universitário, devia ser introduzido ao mundo da ciência e astronomia. Com grande entusiasmo e sem importar-se em perder um pouco do tempo de suas pesquisas, empenhou-se na tarefa de popularizar a ciência. Porém talvez nem ele mesmo fosse consciente de seu enorme talento não só para explicar temas complicados de uma maneira simples, mas para contagiar com seu entusiasmo e paixão a ciência e o saber. Carl começa a publicar artigos de divulgação científica em revistas não especializadas e realiza esporádicas aparições em programas de televisão. Aos poucos começa a ser reconhecido pelas pessoas comuns, além da popularidade que já tinha entre a elite científica. Mas Carl Sagan logo estaria na boca de todos por conta de... uma placa.

    Em 1973 foram lançadas as sondas espaciais Pioneer 10 e 11 com a finalidade de transmitir imagens e dados dos gigantes de nosso sistema solar: Júpiter e Saturno. Sagan e seu colega e amigo Frank Drake conseguem autorização da NASA assim como os fundos necessários para incluir na Pioneer 10 uma placa gravada com símbolos, no caso de alguma civilização extraterrestre deparar-se com a nave durante sua viagem ao espaço exterior, para onde está se dirigindo neste mesmo momento. A placa foi projetada por Drake e Sagan e desenhada por Linda Salzmann.

    A placa da Pioneer 10.

    A chave para decifrar a placa consiste em entender o esgotamento do elemento mais comum no universo: o hidrogênio. Este elemento vem ilustrado na parte esquerda da placa em forma esquemática, mostrando a transição superfina do hidrogênio atômico neutro. Qualquer ser proveniente de uma civilização com suficiente conhecimento científico para compreender o hidrogênio deveria ser capaz de interpretar a mensagem. Igualmente se indica a posição da Terra em nosso Sistema Solar... mas tudo isto Teria passado quase despercebido não fosse o fato de que também foram incluídas gravuras que mostravam um homem e uma mulher desnudos. A mídia se apressou em mostrar imagens da placa em jornais, revistas e televisão, enlouquecendo a conservadora América do Norte.

    A seguir, alguns extratos de "Sinais da Terra", narrado por Frank Drake (traduzido do alemão "Signale der Erde", Droemersche VerlagsanstaltTh. Knaur Nachf. München/Zürich, 1980):

    "A placa na Pioneer 10 e 11, ainda que tão simples, provocou reações tanto divertidas como surpreendentes por parte da opinião pública. Os meios de comunicação e as estações de televisão se depararam com o problema de mostrar a placa em todos os seus detalhes, mesmo mostrando seres humanos desnudos. No Chicago Sun-Times os redatores se esforçaram desesperadamente em retocar os órgãos sexuais até faze-los desaparecer, pois de uma edição a outra durante um mesmo dia, uma parte delicada da anatomia após outra ia desaparecendo. O chefe de redação do Los Angeles Times recebeu furiosas cartas de leitores que culpavam a NASA de desperdiçar o dinheiro dos contribuintes enviando obscenidades ao espaço. Também havia cartas de feministas ofendidas que consideravam que a mulher da placa parecia ser uma subordinada do homem. "Não parecia estar atrás dele? E por que o homem tinha o comando nas mãos e ela não?" Tudo isto foi uma desagradável surpresa para Linda Sagan, considerada uma mulher emancipada.

    Também estavam surpreendidos e lastimosos os que achavam que as imagens dos humanos representavam demasiado a sua própria raça, qualquer que fosse. Chama a atenção que isto foi afirmado por pessoas de todas as raças, o que nos faz pensar em uma profunda verdade psicológica em todos nós. O mais importante é que esta mensagem foi realizada por um grupo muito pequeno de humanos --exatamente por três—e por isso não foi nem tão representativa de toda a humanidade, nem tão informativa como poderia ter sido. Na imprensa inglesa apareceram artigos propondo que futuras informações deste tipo fossem dirigidas por um grande grupo internacional de cientistas e leigos.

    "Depois de todo este tiroteio de críticas chegamos à conclusão de que a maioria delas eram irrelevantes. Éramos da opinião que não havíamos cometido nenhum erro grave. Contudo, as críticas conseguiram nos mostrar que a arte de recopilar mensagens interestelares deveria ser feita com mais humildade. Descobrimos que uma grande parte da humanidade se preocupava com o conteúdo de mensagens interestelares, ainda que a possibilidade de serem recebidas fosse muito pequena."

    Do mesmo modo muitos idignaram-se pensando que, ao mostrar nossa localização no espaço, seria muito mais fácil que civilizações bélicas nos localizassem para conquistar ou destruir a Terra. Entretanto, também houve muitas reações positivas e pessoas de todas as partes também escreveram cartas aos jornais para expressar sua aprovação e entusiasmo. Comenta Sagan em: "As Ligações Cósmicas" (Bertrand, Portugal, 1991):

    "A mensagem levada pela Pioneer 10 foi uma autêntica diversão. Contudo também foi algo mais que isso. É uma espécie de prova cósmica Rorschach, na qual muitas pessoas vêem refletidas suas esperanças e temores, suas aspirações e derrotas, os mais escuros e mais luminosos aspectos do espírito humano. O envio de tal mensagem nos obriga a considerar como desejamos estar representados em um raciocínio cósmico. Qual é a imagem da Humanidade que poderíamos desejar apresentar a uma civilização superior situada em qualquer ponto da Galáxia? A transmissão da mensagem da Pioneer 10 nos estimula a considerar a nós mesmos desde una perspectiva cósmica.

    Na minha opinião, creio que o maior significado da placa da Pioneer 10 não é precisamente o fato de enviar uma mensagem ao exterior, mas de tratar-se de uma mensagem a nós mesmos".

    O Pouso em Marte.

    Em 20 de agosto de 1975 é lançado o foguete que levaria as sondas Viking 1 e 2 para Marte. A Viking 2 aterrissou com êxito na superfície desse planeta em 20 de julho de 1976, transmitindo imagens muito similares às dos desertos da Terra, mas para os entusiastas do espaço como Sagan, isto significou um sonho concretizado. A nave estava equipada com aparelhos destinados a efetuar provas no solo e atmosfera marciana para determinar se talvez em alguma época existiu vida ali. Como com o Mariner 4, nesta ocasião tampouco se pôde ter evidência alguma, mas o êxito do pouso de uma nave na superfície de um dos nossos planetas vizinhos foi outro grande salto para a humanidade, já que ao estudar as condições ambientais em outros mundos, lentamente vamos aprendendo mais sobre o nosso.

    Todavia, esta semelhança de Marte com a Terra despertou pouco interesse entre os meios de comunicação e, por conseguinte, do público. Mais do que nunca Carl Sagan se dedicou a popularizar a ciência, chegando a aparecer no famoso The Tonight Show de Johnny Carson. Foi tal o êxito obtido que Sagan começou a converter-se em uma espécie de símbolo nacional norteamericano. Sagan começava a vislumbrar-se como uma estrela no firmamento por si mesma, e as aparições em tal programa de televisão se fizeram mais freqüentes.

    % O planeta vermelho desde a câmera da Viking 2 Panorama marciano.

    Em 1977 é lançado seu livro "Os Dragões do Éden", que trata da evolução da inteligência. Este livro (talvez meu favorito) lhe valeu o prêmio Pulitzer. Também outra mensagem para as estrelas e um amor proibido fizeram de 1977 um ano crucial na vida de Sagan.


    Viajantes do espaço.

    O êxito da missão Viking encorajou a NASA a enviar outras duas naves espaciais para explorar o sistema solar exterior, principalmente a Júpiter e Saturno: as Voyager 1 e 2. E como as tais naves também estavam destinadas a se perder na imensidão do cosmo, Sagan e Drake aproveitaram a oportunidade para enviar outra mensagem interestelar. E apesar de haverem passados apenas alguns anos desde a missão Pioneer, a tecnologia havia avançado o suficiente para enviar não somente uma placa, mas um disco contendo imagens e música com "a história do Planeta Terra".

    Primeiras imagens da exploradora Viking 2 em Marte.

    A popularidade de Sagan também era grande entre os círculos de intelectuais e artistas, o que reuniu talentosos colaboradores para desenhar e produzir o disco. Como em todas as missões espaciais, dispunha-se de pouco tempo e dinheiro para aprontar a mensagem em poucas semanas e todas as pessoas envolvidas no projeto trabalharam arduamente para concluí-la a tempo. As aventuras e desventuras da segunda grande mensagem dos terrestres às possíveis civilizações foram maravilhosamente narradas por Sagan, Drake e os principais colaboradores em "Murmúrios da Terra".

    % Disco Voyager. O disco já instalado na Voyager

    O disco contém o seguinte:

    • 118 fotos, 20 delas em cores
    • Saudações em 55 idiomas
    • "Os sons da Terra": 19 sons diferentes
    • 27 melodias, desde música tradicional de todas as partes do mundo, passando por música clássica, até Johnny B. Goode de Chuck Berry.

    A jovem encarregada de conseguir os sons incluídos no disco, Ann Druyan, era amiga de Carl e Linda há vários anos. Mas ao trabalhar tão junto a Carl, descobriram-se perdidamente apaixonados. Ann estava comprometida com outro homem e Carl estava casado com Linda, mas o casal não hesitou em superar todos os obstáculos e em pouco tempo Carl abandonou sua esposa para viver com Ann, com quem permaneceu até sua morte.


    Cosmos: Uma viagem pessoal.

    Em 1979 Carl empreende a missão de sua vida: escrever, produzir e apresentar um ambicioso programa de televisão. "Cosmos: Uma viagem pessoal" consta de 13 capítulos abordando a evolução do universo, a história da ciência, as últimas missões aos planetas mais próximos, a possibilidade de vida extraterrestre e o perigo que representam para nosso planeta as armas nucleares e a destruição do meio ambiente, tudo em um só programa.

    A série levou três anos para ser produzida e incluiu filmagens em 40 lugares em 12 países. O ritmo intenso de trabalho nesse projeto representou uma pressão enorme para Sagan, agravada com o fato de ter-se diagnosticado um câncer em seu pai. Carl e Ann levaram os Sagan a viver em sua casa e Carl entre as filmagens viajava a Ithaca para estar com seu pai o maior tempo possível. Assim o fez até a morte de Samuel Sagan, em outubro de 1979.

    "Cosmos" foi ao ar em setembro de 1980. Calcula-se que sua primeira transmissão foi vista por 140 milhões de pessoas em todo o mundo, transformando "Cosmos" na série científica de maior êxito em todos os tempos. Carl e sua equipe de produção ganharam vários prêmios Peabody e Emmy e o livro escrito conjuntamente com a série foi um grande "Bestseller" que se manteve nas listas de venda por vários anos.

    Pessoalmente, o livro e a série mudaram minha vida para sempre e pelo que notei, o mesmo passou com muitas pessoas ao redor do mundo. Até aquele momento Sagan havia ganhado vários prêmios: Pulitzer, Emmy, Peabody... mas nenhum Prêmio Nobel; e nunca o ganhou. Entretanto, Carl Sagan foi o cientista que mais influenciou a maneira de pensar de muitos seres humanos trazendo o universo às nossas mãos. Através da tela de televisão nos conscientizou dos perigos que podem desencadear a destruição de nosso planeta e nos mostrou o mundo da ciência durante épocas passadas da humanidade. Serviu de modelo para muitos outros cientistas que, contagiados pelo entusiasmo de Sagan, iniciaram uma era de programas e publicações de divulgação científica. Hoje em dia são normais os canais de televisão especializados em temas científicos e sociais. Pode se dizer que, de certo modo, Sagan obteve um prêmio muito maior que o Nobel: a gratidão de milhões de pessoas que pela primeira vez viu uma luz na escuridão da noite. Não posso concluir esta parte sem citar um fragmento de "Cosmos", o qual nos incita a assumir a responsabilidade que temos nós humanos em manter sã e salva a nossa Terra:

    "Porque somos a encarnação local do Cosmo que cresceu até ter consciência de si, podemos contemplar nossas origens: substância estelar que medita sobre as estrelas; conjuntos organizados de dezenas de bilhões de átomos que percorreram o longo caminho através do qual surgiu a consciência, ao menos aqui. Nós falamos em nome da Terra. Devemos nossa obrigação de sobreviver não só a nós mesmos, mas também a este Cosmo, antigo e vasto do qual procedemos."

    Depois de extensas tramitações, em 1981 Sagan por fim recebe o divórcio de Linda Salzmann e no dia primeiro de junho desse mesmo ano casa-se com Ann Druyan, sua última esposa.

    As naves Voyager já haviam chegado a Júpiter e seus satélites e logo Saturno e seus impressionantes anéis, e lentamente se dirigiam para o espaço exterior, rumo a Urano. Não se sabia se as naves chegariam inteiras até esse planeta, mas em todo caso seguiam funcionando e transmitindo valiosos dados à Terra. Entretanto, a NASA decidiu concentrar-se no ônibus espacial depois do bem sucedido lançamento da Columbia deixando de lado os projetos de exploração espacial.

    Sagan sempre criticou duramente o ônibus espacial; acreditava que as pesquisas realizadas por essas naves não tinham importância científica alguma. Em uma entrevista disse:

    "Em um ônibus espacial são enviados 3, 5 ou 7 pessoas em uma cápsula a 300 km de altura; passam uma semana estudando coisas como a falta de crescimento de tomates ou algo assim, e depois o denominam exploração espacial. Isso não é exploração espacial! Exploração espacial é ir a outros mundos!"

    Este desinteresse da NASA em futuros projetos de exploração planetária, e também o nascimento de sua filha Alexandra fizeram com que Carl se concentrasse em temas mais terrestres, como a deterioração do meio ambiente e o cuidado da Terra. Nesse período o belicoso governo do Presidente Reagan se esmerava no projeto "Star Wars" e o perigo de uma guerra nuclear estava mais latente que nunca. Quando Reagan anunciou tal projeto em março de 1983, Sagan sofreu uma peritonite que o manteve em terapia intensiva durante várias semanas. Mas isto não o impediu de, desde a cama do hospital, lançar um comunicado especial contra a "Guerra das Galáxias". Carl Sagan começava sua etapa de ativista.

    Nesse mesmo ano, Sagan co-produziu um ensaio no qual sugeria que mesmo uma pequena guerra nuclear poderia desencadear um inverno nuclear. Sua feroz defesa do meio ambiente lhe valeu uma detenção em Ground Zero, Nevada, durante uma manifestação em 1986.

    Entre seu ativismo, suas aulas em Cornell e seu cargo de Diretor do Laboratório de Ciências Planetárias, Sagan consegue tempo para escrever sua primeira novela, "Contato", onde narra o suposto primeiro contato com seres inteligentes provenientes de outra civilização. Também comemora o regresso do cometa Halley com seu livro "Cometa", escrito com Ann Druyan.


    Seus últimos anos.

    Em 1991 nasce seu segundo filho com Ann, Samuel (curiosamente, Sagan teve um filho por década... durante as últimas cinco décadas). Em 1992 as conquistas que Carl Sagan acumulou durante tantos anos seriam recompensadas ao ser indicado para formar parte da prestigiada Academia de Ciências. Mas foi sabotado por colegas invejosos e não recebeu a nomeação. Isto foi algo que lhe doeu muito mas no ano seguinte recebeu da mesma Academia a Medalha do Serviço Público.

    Durante alguns anos Sagan viveu tranqüilo, desfrutando da tranqüilidade que ele tanto buscou, ao lado de Ann e seus dois pequenos filhos. Mas ao final de 1994, uma mancha escura em seu braço anunciava o princípio do fim. Ante a insistência de sua esposa, Carl foi ao médico e depois de alguns exames de sangue comprovou-se que estava gravemente enfermo. Sofria de uma rara doença do sangue chamada mielodisplasia e a única maneira de poder salvar-se seria mediante um transplante de medula. De outro modo morreria em menos de 6 meses.

    O doador deveria ser completamente compatível e ainda assim havia a possibilidade de que o corpo de Sagan rejeitasse a medula. Sua irmã Carise ofereceu-se como doadora e depois do transplante, Carl ainda deveria submeter-se à quimioterapia, exames e consultas. Contudo, tratou de levar uma vida normal e continuou escrevendo livros, como "Pálido Ponto Azul" e "O Mundo Assombrado pelos Demônios", o último que ele viu editar. Durante um tempo pareceu recuperar-se mas em julho de 1996 teve que receber um segundo transplante de medula pois seu corpo não estava respondendo tão bem como se esperava.

    Estando ainda hospitalizado, Sagan recebeu a notícia de que um meteorito encontrado na Antártida poderia conter rastros de bactérias fósseis provenientes de Marte. Ainda que um pouco cético, isto pareceu injetar energia em seu debilitado corpo e pela segunda vez, desde a cama de um hospital, fala com os meios de comunicação. Entrevistado por um canal de televisão, declara:

    "Se for comprovado que estes microorganismos são realmente de origem biológica, as implicações serão profundas sugerindo que a vida poderia surgir não só em um planeta, mas em incontáveis planetas, eliminando nosso provincianismo e nos dando o sentimento de que ocupamos um lugar no universo e de que não estamos sozinhos".

    Sagan nunca pôde recuperar-se do segundo transplante mas ainda assim teve energia para escrever seu último livro, "Bilhões e Bilhões", além de assessorar as primeiras filmagens de sua novela "Contato", dirigida por Robert Zemeckis e protagonizada por Jodie Foster.

    Em dezembro de 1996, Carl aceitou fazer algumas leituras públicas na área de São Francisco, mas não pôde finalizar sua programação. De São Francisco foi trasladado imediatamente a Seattle, ao Fred Hutchinson Cancer Research Center onde estava sendo tratado desde o início de sua doença. Foi diagnosticada uma pneumonia adquirida facilmente devido à frágil defesa que tinha seu corpo contra todo tipo de ameaças por bactérias e vírus desde as intensas quimioterapias. Já não havia nada a fazer.

    E ali em Seattle, na madrugada de 20 de dezembro de 1996, apagou-se a vela da vida daquele que guiou com entusiasmo e dedicação milhões de pessoas pelo caminho da ciência e do pensamento lógico e racional. Carl Edward Sagan fechou seus olhos para sempre e a humanidade perdeu um grande cientista e divulgador, imortalizado no coração e na memória daqueles para os quais ele significou uma parte muito importante de suas vidas. Meu professor, meu guia, meu exemplo, havia falecido.


    Esclarecimentos.

    Esta biografia foi escrita inteiramente por mim. Tirei muitas informações valiosas do capítulo dedicado ao Dr. Sagan no programa "Biografia", de A&E Television Networks, bem como de várias outras fontes. Entretanto, qualquer fato, circunstância ou data incorreta ou inexata são minha responsabilidade. Igualmente, os comentários tecidos aqui são puramente subjetivos e refletem somente os meus pontos de vista.

    As imagens das naves espaciais e dos planetas pertecem ao arquivo da NASA.

    Lourdes Villarreal Lujan
    lourdesv@ienlaces.com.mx
    Trad.: Luciana Almirall
    almirall@cyberspace.com.br

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